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Dois ratos, de Vincent Van Gogh |
"[...] Passando a outros temas, me permita perguntar: desde muito, noto em
você um sentimento de visível insatisfação, de tédio e, ontem, isso parecia mais
acentuado. Não tenciono invadir a sua privacidade, interprete apenas como
a inquietação de um amigo. Você já leu Steinbeck, ''Ratos e homens''? Numa passagem do livro, um dos personagens, olhando para dois amigos que se afastam, pergunta: ''O que está roendo
esses homens?" Eu pergunto a mesma coisa para você, o que
está roendo o seu espírito? Algo se agita em seu interior, algum tipo
de insatisfação. O que há com você? Por que parece eternamente em crise? Todos os homens são infelizes, cada um é infeliz a sua maneira, foi
com Tolstói que aprendi isso. A infelicidade veio para todos e a
angústia também, mas podemos amenizá-la, compreende? Os amigos servem
para isso, para dividir o fardo da existência. O que eu posso fazer por você?"
Acabo de receber esse belo e-mail de um grande amigo, pessoa sensível, que conseguiu me enxergar além da superficialidade. Sou mesmo uma pessoa triste, um tanto melancólica, mas não sei precisar por quais motivos. Possuo alguns, que não quero citar aqui, no entanto, às vezes, tenho a impressão de que são apenas pretextos, que eu sempre me senti assim, sozinha, deslocada, desde pequenina. Queria muito ser diferente, mas não consigo. Pensei que, ao menos, fora da literatura, eu disfarçava bem esse meu jeito, parece que não. Confesso, portanto, ao meu amigo: sim, existem alguns ratos famintos dentro de mim.