22 de setembro de 2013

Morangos silvestres





       









O filme sueco Morangos Silvestres, com roteiro e direção de Ingmar Bergman, exibido em 1957, foi considerado pela New York Times um dos 1000 melhores filmes já produzidos e, a meu ver, não existe nenhum exagero nisso. Nos minutos iniciais da película, na passagem do primeiro e estranho sonho do professor de medicina Isak Borg, observei estar diante de um filme com toques surrealistas, no estilo de Luis Buñuel. Mas admito que Ingmar Bergman me encantou muito mais do que conseguiu o cineasta espanhol. Deixando de lado comparações inúteis e voltando a Bergman, ele promove, com Morangos Silvestres, um tipo de road-movie, no qual o personagem Isak Borg faz toda uma revisão existencial. Acometido por sonhos que pareciam querer lhe avisar da proximidade da morte, Isak percebe bem mais do que isso, percebe que sempre caminhou como um morto: frio, insensível, egoísta, afastado de qualquer desejo, de qualquer ato que o tornasse vivo. Velho e solitário descobre, ao fazer uma viagem a Lund, a fim de receber um prêmio honorífico, que ainda havia tempo de se tornar outro frente ao seu filho (que lhe recorda a sua juventude amargurada), à sua nora Marianne, à sua fiel criada e à sua caústica mãe (retrato do que ele, provavelmente, se tornaria). É na estrada que Isak reconhece a leveza e o frescor de três jovens, cheios de planos, que pegam carona e seguem com ele; é na estrada que ele se lembra do seu casamento frustrado, ao acolher um infeliz casal que sofre um acidente de carro; é na estrada que ele compartilha da angústia de Marianne, que está grávida e magoada com o marido, que, cético como o pai, acredita que a vida é mera perda de tempo e, por isso, não vale a pena colocar mais um ser no mundo. O senhor Borg também visita a casa da sua infância e evoca a lembrança do seu amor pela prima Sara, que acaba se casando com seu irmão, bem mais atrevido e intenso do que ele jamais foi capaz de ser. E ao fazer toda essa trajetória, explorando os planos da realidade, do sonho e da memória, Bergman nos faz refletir sobre o sentido da existência e do tempo que passa sem retorno. O filme foi escrito quando Bergman estava internado em um hospital e assistiu à palestra de um médico que falava sobre doenças psicossomáticas. Mais tarde, ele confessa: “Eu criara um personagem que se assemelhava a meu pai, mas que, no fundo, era eu, completamente. Com 37 anos, privado de relações humanas, introvertido e fracassado”. No entanto, com Morangos Silvestres, Bergman nos mostra, também, que até à nossa última viagem, ainda temos meios de consertar as coisas, de levantar do túmulo em que dormimos toda noite e tentar uma nova comunhão conosco, com a vida e com as pessoas que amamos. Morangos Silvestres é, sem dúvida, mais um dos filmes eternos que tive a sorte de assistir.