31 de maio de 2013

O líder













       Resolveu entrar numa empresa de marketing multinível. Começou a ganhar muito dinheiro. Desmarcou todas as partidas de futebol agendadas com os amigos. Pediu demissão do emprego e passava horas e horas convencendo as pessoas a entrarem na sua equipe. Terminou o noivado e colocou o pai num asilo. Deixou de ir ao curso de teatro que tanto gostava e doou todos os seus livros para uma biblioteca. Nunca mais tivera tempo de assistir a um filme, mas a sua rede apenas crescia e ele já podia se considerar um homem afortunado. Aos 72 anos, numa manhã, após sentar-se para gerenciar as empresas MMN, das quais era o líder, teve um ataque cardíaco ali mesmo e, uma semana depois, surpreendentemente, nenhum dos seus mais de dez mil afiliados notaram a sua falta.

5 de maio de 2013

A separação

É muito bom saber que "A separação", dirigido por Asghar Farhadi, ganhou uma estatueta do Oscar, em 2012. Sinal de que ainda se valoriza um filme realista, profundo e inquietante. O cinema, felizmente, não está resumido a efeitos especiais. "A separação" nos conta a história de Nader e Simin, que enfrentam um processo de divórcio. Simin quer sair do Irã com o marido e a filha, porém Nader recusa, pois precisa ficar com o pai, idoso e doente, que sofre de Alzhaimer e inspira cuidados. Simin, então, pede a guarda da filha, o que não é atendido. Simin acaba indo morar com a mãe, fazendo Nader ter que contratar uma diarista para cuidar da casa e do pai, enquanto ele se encontra ausente. Até aí estamos a favor de Nader, homem compreensivo, calmo, bom pai e bom filho. 


Mas a história está apenas começando. Razieh, a mulher que foi empregada por Nader, está grávida. Num momento infeliz, ela vai ao médico com a filha, que sempre a acompanha, e, com medo do velho sair e se machucar, o deixa amarrado na cama. Quando Nader chega em casa, o pai está caído e sem oxigênio. Ao voltar, Razieh é empurrada pela porta por Nader, que está furioso. Ela acaba tropeçando na escada e é hospitalizada, quando descobre que perdeu o bebê. Nader é acusado de assassinato. Adentramos agora na atmosfera kafkiana dos processos judiciais no Irã. E ao mesmo tempo que torcemos por Nader, ficamos, aos poucos, conhecendo os seus erros e simpatizando menos com ele. Da mesma forma que também gostamos e odiamos Razieh e o marido. 


Com o decorrer do filme, percebemos que não se sabe quem, de fato, é o culpado. E nem se há culpados. Farhadi cria uma história sem maniqueísmos. Estão todos envolvidos no mesmo drama familiar, religioso, político, moral. Nem nós, espectadores, nem os próprios personagens, tem certeza do que está acontecendo, mas ninguém quer ceder: o marido da empregada, Hodjat, porque precisa levar a denúncia adiante, a fim de receber a indenização, com a qual pagará credores; Razieh, tem dúvidas quanto ao motivo da morte do bebê e não quer mentir, para não ser castigada por Alá, mas não pode dizer o contrário, por medo de o marido, desempregado, ter outra crise depressiva; levado pela vaidade e pelo orgulho, Nader também reluta em tentar um acordo pacífico, porque acha que, assim, estará aceitando a sua condição de criminoso. O mesmo se dá em relação ao processo de separação, nem Nader, nem Simin tem coragem de pedir ao outro para voltar. Em meio a todo esse agônico conflito, está a inteligente e sensível Termeh, filha de Nader e Simin, e a pequena Somayeah, filha de Razieh e Hodjat, duas crianças que sofrem e precisam amadurecer antes do tempo.


O filme termina com a câmera "na mão" − guiando o nosso olhar − enquadrando Nader e Simin, que continua em litígio, distantes e a espera da filha Termeh, que terá que decidir, entre lágrimas, com qual dos dois irá morar. Mas essa resolução o diretor Farhadi não nos deixa saber. Essa análise é nossa. Ele só conta a história, que o espectador faça o julgamento que quiser. Não há aquele típico desfecho hollywoodiano, mas quem precisa dele? A vida é dolorosa, conflituosa, cheia de dúvidas e meias-verdades. E nem sempre nos oferece respostas. 



Podemos perceber também que o filme representa uma metáfora do contexto político e cultural iraniano. Logo na primeira cena, durante a discussão do casal, Simin deixa escapar: "Não posso mais ficar aqui nessa situação". E o juiz questiona: "Que situação?". Simin, intimidada, se cala.  Se os iranianos não podem falar da situação do seu país com palavras, se não podem responder a essa pergunta claramente, ao contrário de permanecerem em silêncio, respondem com a arte cinematográfica. Assim fez Farhadi. Porém, com grandes atuações e uma bela trilha sonora, este forte filme iraniano está longe de tratar apenas de problemas locais. O Irã representa ali uma metonímia, um micromundo. "A separação" é, sobretudo, uma obra universal, intensa e profundamente humana.