10 de outubro de 2010















O SOL POR TESTEMUNHA

Adaptação livre do romance policial O talentoso Ripley (1955), de Patricia Highsmith, o filme O sol por testemunha (1959), dirigido por René Clément, promove no espectador um deslocamento e uma subversão: o ponto de vista é o de um assassino, e estranhamente não o repudiamos.
Tom Ripley (Alain Delon) faz um acordo com um milionário, que deseja o filho, Philippe Greenleaf (Maurice Ronet), de volta aos EUA. Ripley aceita a missão em troca de uma generosa quantia. Parte, assim, para a Itália, onde Philippe vive com a namorada, Marge (Marie Laforêt). Philippe é um típico playboy, que não tem muitas preocupações, a não ser a de gastar dinheiro e curtir a vida. Ripley, por sua vez, é um jovem pobre, mas com inúmeras habilidades, como, por exemplo, o grande talento em imitar a voz e os gestos de uma pessoa, bem como o de falsificar assinaturas. Philippe apenas tolera Ripley enquanto este o serve como um brinquedo, enquanto o diverte. Finda a brincadeira, é preciso colocá-lo em seu devido lugar. O tempo todo Philippe humilha o "amigo", chegando ao ponto de deixá-lo, por várias horas, exilado num bote amarrado ao barco em que estavam, sob um sol escaldante, causando-lhe forte insolação. Ripley, cínico e com a fina ironia que lhe é peculiar, finge não se importar com isso. No entanto, como já invejava Philippe, sua fortuna e sua namorada, vê neste fato a justificativa perfeita para o plano que tinha arquitetado: matar Philippe. E ele o faz, tendo o sol mediterrâneo, às suas costas, como a única testemunha. E em lugar da escuridão da noite, o sol inclemente, quase branco de tão intenso: o que representa uma quebra de regra do que se convencionou chamar de cenário ideal para um filme noir.
Ripley assume, então, a identidade de Philippe, toma posse dos seus bens e conquista a sua namorada, Marge. Tudo perfeito, se não fosse por um pequeno detalhe: ter deixado um vestígio do crime: o corpo de Philippe, emaranhado ao casco do navio, e que será descoberto no desfecho do filme. Na referida sequência, Tom Ripley está na praia e é chamado para atender a um telefonema, sem saber que policiais o esperam. Não é necessário explicar o que vai acontecer depois disso. O espectador já sabe. Por isso, o desenlace é apenas sugerido. Sugerido, pois Ripley, destro e escorregadio, é capaz também de se esgueirar da polícia. Portanto, o final é aberto.
 Além de uma envolvente história policial, O sol por testemunha conta com uma bela fotografia e excelentes atuações, com destaque para o francês Alain Delon. E, como já foi dito, nos acontece uma estranha transformação ao assistir a este filme: criamos uma forte empatia com o criminoso, não conseguimos sentir raiva de Tom Ripley. Contemplamos seus atos até com certo pesar, sem dúvida, mas sem detestá-lo, condescendentes; talvez devido à sua beleza e ao seu charme, que, no caso, são de Alain Delon. É, talvez.

8 comentários:

  1. Lidiane, o que você achou da versão de 1999? Eu não gosto de Alain Delon. Tem um quadro com a fotografia aqui em casa. Mau gosto de Zezé. rs

    ResponderExcluir
  2. Lidi,

    Saudades!!! Que bom que gostou das fotos e melhor ainda que amas Quintana. Tenho certeza de que, em breve, poderei ver as tuas fotos, as tuas viagens. E aqui vai um poema especial para vc.
    OS POEMAS
    Os poemas são pássaros que chegam
    não se sabe de onde e pousam
    no livro que lês.
    Quando fechas o livro, eles alçam voo
    como de um alçapão.
    Eles não têm pouso
    nem porto
    alimentam-se um instante em cada par de mãos
    e partem.
    E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
    no maravilhoso espanto de saberes
    que o alimento deles já estava em ti...
    (Mário Quintana)

    Um cheiro!

    ResponderExcluir
  3. Li o livro e não vi o filme.Sou completamente ignorante quando se trata da sétima arte.

    ResponderExcluir
  4. Um dos meus filmes preferidos,
    revi recentemente numa madrugada.
    Embora, eu acredite que a mentira
    não seja uma arte, como o talentoso
    Ripley faz entender.
    Mentir não tem charme.

    ResponderExcluir
  5. Louvável e oportuna postagem. O gênero policial pode ser, a um só tempo, arte e surpresa, sempre descortinadora e a balançar as cortinas do real. Assistam esse filme, leiam e vejam mais policiais. Aquele abraço.

    ResponderExcluir
  6. boa dica Lidi. esse eu quero assistir!

    ResponderExcluir
  7. De início, parece ser um filme fútil com típicos vagabundos, mas as coisas se invertem completamente, elevando e muito a qualidade da obra, cujo considero como ponto de partida aquele diálogo entre Ripley e Philippe, impressionando pela força contida das duas personagens, emoções enigmáticas são sentidas, dali já sabemos: A bomba pode estourar a qualquer momento.
    E não é que ela estoura mesmo?

    Meu TOP René Clément:
    1) O Sol Por Testemunha
    2) Brinquedo Proibido
    3) Gervaise
    4) A Bela e a Fera
    5) A Batalha dos Trilhos
    6) Cuida da Tua Esquerda

    ResponderExcluir