31 de dezembro de 2014

A carta


Acorda, trabalha, se exaspera,
executa sua rotina nos mínimos detalhes
numa repetição enfadonha e desesperada
não se permitindo, nunca, uma hora a mais de sono,
um murmúrio, um mísero atraso.

Ama, sofre, sonha, espera,
como se valesse a pena todo e qualquer momento debaixo do sol,
ignorando que a cada passo que dá morre mais um pouco, se mata,
que cada pensamento seu é um adeus,
e que cada verso escrito, uma despedida, 
uma linha, um esboço
de uma carta suicida.

14 de dezembro de 2014

Vestígios

(A cama do defunto, de Edvard Munch)


















Não, não somos nada

e nunca seremos.

Não passamos de simples espectros do que foram os outros,
sombras dissipadas na parede.

Ontem, corremos em direção ao mar,
construímos castelos de areia,
conversamos com amigos imaginários.

Hoje, num leito branco e cheirando a éter,
abrigamos mais um tumor ancestral,
e esperamos pelo dia que sempre vem,
única verdade inabalável.

Amanhã, quem sabe,
nos tornemos vestígios,
lembranças escusas na mente de alguém.